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O trânsito estava normal como de costume para um sábado de verão. Sem vento, só calor, sem nuvens, no céu só estrelas estupidamente brilhantes. Cheguei no Bairro Coophasul por volta das 17 horas nem muito cedo, nem muito tarde. Abri a velha perua azul celeste e retirei o meu kit feira. Montei a barraquinha modesta na rua Sargento Hércules, feira noturna, sábado a noite, muitos moradores acima de sessenta anos frequentavam a feirinha. Terminava de ajeitar os livros e vinis, quando um senhor se aproximou com uma sacola do Supermercado Camila da Rede Econômica.

- Noite, o senhor por um acaso tem ai livros de relatos de guerra, combatentes históricos, essas coisas.

- Como o senhor se chama?

- Me chamo Joaquim, Joaquim Serra de Oliveira.

- Pois bem seu Joaquim Serra de Oliveira, eu vou ter aqui "Os Meninos da Guerra das Maldivas" do Jornalista Daniel Kon. Hoje colunista do Clarín.

- Já li sobre as maldivas, conheço os artigos desse argentino saudosista, vou levar!

- Que beleza! E a primeira venda da noite vai para o senhor com a sacola de supermercado, Joaquim Serra de Oliveira!

- Muito obrigado filho, agora tenho que ir, a patroa está me esperando. Até mais ver!

Depois da venda para o senhorzinho continuei com minha arrumação da banca, peguei uma edição de contos de Machado de Assis, o povo tinha começado a aparecer, precisava agir com meu marketing elaborado. Fiquei na frente da banca para anunciar alguns títulos para os transeuntes.

- Romances e Dramas, só cinco reais, só cinco reais. Vai um romance ai moça? - Não obrigada! - Um suspense? - Não moço, obrigada, não gosto de ler. "Ela não gosta de ler", repeti apenas para o meu eu interior, a moça certamente possuía algum tipo de transtorno psicológico, já que ela lê tudo em sua volta, o que parecia não saber disso. Essa afirmativa é muito perspicaz, ela lê as mensagens no seu celular, lê as promoções das lojas, lê o extrato do seu saldo bancário, tudo é leitura, camarada. Mas já passou, a moça já tinha ido embora enquanto eu dialogava comigo e sorria feito um maluco nessa noite de sábado na rua Sargento Hércules do bairro Coophasul.

Já estava escuro quando apareceu o casal simpático da noite, era Pablo e Claíse. Os dois sempre passavam por mim todo santo sábado. Ela vestia uma camisetinha cor-de-rosa com estampa de gatinhos e também usava um laço vermelho na cabeça. Pablo usava a mesma camiseta preta com a cara do Raul Seixas, todo sábado era a mesma camiseta. Gostava de ver os dois juntos. Ela ficava na minha banca dedilhando todas as fileiras de livros, comentava cada um que escolhia, eu adorava conversar com eles. Mas o momento de escolher um livro era muito particular, então eu não abria o bico.

- O que está procurando meu amor? Perguntou o jovem vestido com a camiseta do Raulzito.

- Não sei. Ele sorri e não diz nada. Eu dou um sorriso pra ele também e sugiro algo.

- Tenho essa coleção que chegou essa semana. Vem de uma coleção conhecida como "Mistérios do Desconhecido", acho que você pode gostar. Foi certeiro. Ela adorou e levou dois volumes. Trocou uma ideia comigo sobre fatos sobrenaturais e até me indicou algumas leituras. Falou sobre filmes de horror e cantigas infantis.

- Vamos! Se deixar ela falar, vai passar a noite toda... Sugeriu Pablo com toda a simpatia e educação de um verdadeiro cavalheiro. Eles me agradeceram e foram embora. Em seguida passou por mim um outro casal. Não conhecia muito bem, já tinha visto esses dois por aqui. Ele tinha um jeito reservado, usava um boné agrícola, calça jeans e botinas escuras. Ela usava um vestido azul. Passaram por mim no auge da minha atuação artística, quando lia o poema "A Cantiga do Sertanejo" de Álvares de Azevedo.

"Donzela! Se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
que tenho no coração!
E se ouviras o desejo
Do amoroso sertanejo
Que descora de paixão!"

- Que lindo! Você que fez? Perguntou a moça de vestido azul. Antes que eu respondesse qualquer sílaba;

- Foi...

Um punho cerrado aproximou-se como um cometa, bem na minha cara. Entendi o recado sem o manifesto de uma única palavra, claro, podia ser maluco, mas não era idiota. Sem poemas ultra românticos para essa noite de sábado na rua Sargento Hércules do bairro Coophasul. Da próxima vez vou recitar algo do Ferreira Gullar ou Olavo Bilac, depende.






"A eternidade e o infinito nos compreendem, mas nós não compreendemos nem a eternidade nem o infinito." Oscar Quiroga
Celebra-se a volta completa pelo planeta dançante que baila consigo, girando, girando compassado. E nós, habitantes plurais, recebemos a nova volta ao som de cristais tilintantes junto aos desejos de boas novas.

Antes do fim, antes desse período que está a encerrar, procuro recorrer a memória do último final de ano antecedente a essse que logo se tornará passado também. E algumas memórias e promessas surgem como cobranças, metas pétreas e outros desejos. 

Logo entendo que boa parte dos personagens que compunham minha história eram tão coadjuvantes que precisariam ter seu breve desfecho, e eu a verdadeira protagonista havia de enfrentar os percalços da vida com a resiliência e um pouco de sabedoria das lições passadas.

Hoje eu levanto a minha taça, abro um sorriso realizado e fiel a minha força resiliente e afirmo com pura crença:








Sob a meia luz amarelada que rompia a sala obscurecida, típica de filmes de terror, mas não se tratava de seres fantasmagóricos, cabeças torcidas ou bonecas falantes. Era um lar masculino mesmo. No sofá, entre as roupas recolhidas do varal e camisas usadas na semana, um homem meditava ao som de "Yellow Ledbetter". Um cigarro no canto da boca, um copo americano parcialmente cheio de café morno, ao lado, uma tigelinha dos vingadores cheinha de amendoins japoneses... O repouso da meditação se perdia no sarandeio das cortinas compassadas pelo vento, a janela esquecida aberta convidava a visitante da madrugada, uma brisa gentil, anúncio da chuvinha de verão. Então, as águas consumadas pela secura do chão vermelho, exalavam o perfume de terra molhada, gotinhas tranquilas, chuvinha mansa de verão pela madrugada.

Com toda a digníssima regência do tempo e da natureza, lá dentro, o homem ainda conjecturava com os próprios pensamentos e debatia inconscientemente, eram anjos e demônios em um concílio moral sobre os próximos passos e os antigos também. Vestido somente de cueca preta e meia soquete branca, Luís fumava o último cigarro da noite e entre os lampejos e trovoadas que clareavam o rosto fino e olhar carregado do filósofo boêmio. O olhar, uma confusão de amor e ódio, saudades e desamor.

- Vadia. Ele dispara bem baixinho, quase como um segredo. Localizou o smartphone próximo ao notebook, não se moveu do sofá, apenas ergueu a sobrancelha esquerda, estupidamente grossa e escura, era um belo par de sobrancelhas por sinal.

- "Yellow Ledbetter" já parou de tocar...

Ise Albuquerque
Crônicas de Luís Guyot, o insone.

Boldo Guerreiro de Claíse Albuquerque 
Quando um galho está adoecido é preciso podar para que ele não avance para os demais galhos e folhas. Também é preciso tratar do corte com cuidado como quem se cuida de um ferimento na própria pele.

Assim somos nós, se há algo que não está bem ele precisa ser cortado para que haja um despertar. E esse florescer por assim dizer, é mais uma nova chance de ser melhor do que antes. 

Boldo Guerreiro de Claíse Albuquerque 

🌿

Quintal| 2023
Claíse Albuquerque 


Foto: Claíse Albuquerque 

Certa vez li em uma passagem pelo feed do Instagram um quadrinho, charmoso por sinal, com os dizeres "somos plantinhas com emoções". E como somos. A analogia do semear, cuidar, alimentar também são verbos presentes em nossas rotinas. Necessitamos de uma fonte de energia para enfrentar as intempéries da natureza, uma rotina alimentar fiel para não cair no primeiro vendaval e um solo saudável para crescer e florir.

Havia um pé de limão em nosso quintal, se precisássemos fazer um chá, colhe do pé, ou para temperar algumas receitas, no pé tem limão. Porém com o tempo, a pequena árvore foi se esgotando. O pé de limão nos servia tão bem que mal olhávamos pra ele com cuidado. Então, com dicas caseiras e algumas pesquisas na internet, tratei do pobrezinho dias e dias sem cessar. Hoje ele segue frondoso, esbelto embelezando o quintal, os frutos hoje pesam nos galhos, pouso de passarinhos, cigarras e outros bichinhos voadores.

E nós, vale a comparação, somos plantinhas com emoções.





Pareceu não se tratar apenas de uma mãe sem culpa ou um de pai atuante. Talvez fosse só mais um momento comum de levar a pessoa até a rodoviária, ajudar com a bagagem, abraçar, desejar uma boa viagem e dar um “tchau, mamãe”.


Ao lado da bolsa, necessaire e mochila= estourando o zíper por sinal=, eu bebia água e observava a tradicional cena de embarque. Mas algo me dizia que não era bem assim... fiquei ali uns minutos como figurante, uma posição interessante, aliás, para quem escreve. Somos quase invisíveis e conectados com tudo ao redor.

Seguindo o episódio...se eu fosse citar uma só palavra seria “normalidade”. Por que não seria normal uma criança se despedir da mãe por alguns dias? Não fiquei sabendo a duração da viagem, mas supondo que fosse uma semana, é pouco ou muito tempo de afastamento? Afinal, iriam manter contato por chamadas de vídeo, áudio e as ligações telefônicas, quase esquecidas atualmente.

Não escutei promessas ou pedidos de brinquedos, nem uma quebra no acordo de não comer doces todos os dias, videogame ou tv sem fiscalização, redução de banhos e desencontros com a escova de dentes.

Não tiveram abraços muito apertados, 500 beijos e mais um, ou queixinho tremendo, nem repetidas orientações ao pai. Estranho? Quem sabe! E eu ali, como uma espiã, discretamente observando e tentando memorizar; para estar aqui agora, compartilhando contigo.

Pela tranquilidade do homem daria conta do recado, a missão agora seria dele 100% por algum tempo. Entre eles eram só sorrisos, carinho na cabeça; um jeito real, concreto de ser vivido.

E eu lá. Parada olhando mudando de posição, para não chamar a atenção, e ser mal interpretada. No fundo estava encantada. Cenas como aquela mexem comigo e me levam aos bastidores=como sempre= das relações humanas.

Como sou em geral, a última a subir no ônibus, a mãe em questão já estava na fila e lá dentro não a vi mais. De uma coisa tenho certeza=meu instinto falando= tudo iria dar certo em Pelotas e no seu destino também. Quando estamos em paz é assim que acontece.

Sempre fico “colada no para brisa”, como um daqueles chaveiros batendo no espelho retrovisor, sabes? Gosto de ir vendo tudo, “antenada” por onde quer que passe o veículo que me transporta.

Ainda segui no contexto, agora em pensamentos. O que define uma despedida saudável? Sem gerar ansiedade, medo ou dor? A frequências, costume ou ao contrário, o fato de ser a 1º vez e não ter vivido antes. Uma preparação anterior, os contatos a distância diários, a normalidade da rotina temporária, o autocontrole e naturalidade dos pais, nesse caso.

De que temos receio mesmo? De não ver mais a pessoa, de ficar sós; a saudade incomoda ou ter que fazer as coisas e não saber, ou do desconhecido.

Não nos é ensinado, não aprendemos a amar de longe. Confiar que somos amados embora por certo tempo não sintamos o toque na pele, a presença do outro.

Dar tchau pode ser bom como um oi.

Se eu estiver certa aqueles adultos aprenderam e estão ensinando ao filho. Isso é algo belo e faz um “bem danado”, fez até para mim. Pouco antes dei tchau para minha, mas também.

Fomos companheiros de despedida; em posições diferentes, mas repletos de amor. Sabendo que daqui a pouco, a seu tempo, daremos um oi. Boa viagem






O típico de verão tatuiano estava indo embora. Antonio também.
Voltava para casa com as mãos cheias de sacolas de supermercado, parou no ponto de ônibus da rua Onze de Agosto e sentou para descansar a coluna. Não demorou muito para um conhecido seu chegar, sentou ao seu lado para prosear. Era o véio Joaquim. Conversaram de tudo, falaram sobre o placar da última partida do Corinthians, da gestão do chefe de Estado, sobre a cidade. O circular encostou e os dois senhores subiram tagarelando. Seu Antonio mudou a prosa reclamando dos preços do supermercado.

- Mai rapaiz, só desgosto de ir no mercado rapaiz!
- Pega tudo da roça.
- Mas tô falano do óleo seu caipora!
- Óleo de fritar as coisas?
- Esse mesmo. Peguei duas garrafas daquele tal óleo de canola. Mais caro que tudo.
- Você que é besta Tonho, esse óleo aí nem existe, não tem planta dele.
- O que você tá falano? Como que não vai ter planta de canola?
- Ce tá é por fora. Eu li em uma revista que essa tal de canola é uma abreviação de uma qualidade de óleo de baixa acidez. O óleo vem da semente de Colza, uma planta que lembra muito a mostarda. Mas que algumas pesquisas já falaram que esse tipo de produto pode ser prejudicial pro nosso coração.

Antonio calou-se e tratou de matutar sobre a boa nova, Canola não existe. Sentiu-se enganado pelas letras garrafais do supermercado, pelas ofertas de preço baixo, da ilusão de  economia do seu dinheirinho. Zangou-se.

- Agente é tonto mesmo, todo dia alguém pega e faz nóis de trouxa. É brincadeira viu!
- Viu Tonho, leia mais, faz bem. Só leitura mesmo para não fazerem agente de besta.
- O amigo tem toda razão. Eu é que não quero ficar pra trás.
- Não vai ficar não, o que eu souber aviso o amigo, porque coisas que aprendemos temos de passar para frente, não pode ficar só com a gente.
- Muito agradecido Joaquim, passa em casa pra nóis tomar um café.
- Passo sim Tonho, vou fazer uma visita e aproveitar para o amigo me ajudar a consertar aquela TV da patroa, tá me azucrinando os ouvidos já tem tempo porque não consegue entender o que estão falando naquela novela dos infernos.
- Nesse caso vamos descer em casa imediatamente então.
- Opa, mil de bão!
Todo escritor é fielmente multifacetado e renega. Conta a vida, ouve histórias alheias, profanas ou sagradas e se diverte, entristece, é dual, imprevisível. Presenteia o leitor com o dilema da veracidade,  cabe ao leitor a decisão, decisão da verdade? Oh não, a verdade não, ela é ultrapassada demais para estar estampada nos feeds sociais, busca-se o rosto somente o rosto, de preferência a imagem que está no perfil, o sinônimo da plenitude. E ao leitor, cabe a decisão da relevância, meu caro.

Uma história dramática foi contada.
Turbilhões de manifestos.
Postagem real.
Pesado, indigesto.

O escritor diz a verdade, estampa para o leitor uma tese. E a história segue. O escritor passa a ser uma misteriosa fonte, se for Lovecraft então, misteriosíssima, Bukowsky, vixi, fonte amarga, é verdadeira demais, troque a fonte imediatamente, quer doçura e depois ser mordido por um vampiro charmoso, Anne Rice está aí pra quem quiser ver. O que quero expressar nessa crônica de fim de tarde é o seguinte, lemos histórias demasiadamente, mas eu, eu sou exigente, quero história de qualidade, no mínimo relevante. Lê-se postagens diárias através dos feeds que são democráticos  até demais, neles lê-se somente o que você está habituado a "curtir", foi predeterminado por você, qualquer tema fora do seu contexto, vai causar estranheza, claro, já imaginou de repente no seu feed floral surgir um anúncio do próximo filme da franquia "The Conjuring" 🖤, ou então, a turnê do Kraftwerk no Brasil. 

A beleza da leitura é a relevância e a descoberta, não nessa ordem necessariamente. Se pensou em trocar o título dessa crônica, pelo sujeito "Leitor", também é válido.

Ise Albuquerque 

 


A tentativa de se situar nas vagas viagens entre os minutos é caixa de luz para as ideias. Uma prosa, uma frase desconcertante, um adágio? Acomodo entre os degraus da escadaria que leva ao terceiro andar do prédio, cujo transeuntes assíduos optam pelo elevador. Uma caixa de sabão em pó elétrica condenada a movimentar-se para cima e para baixo, para cima e para baixo até esgotar-se durante a passagem de algum desafortunado.


Confiro o celular, a bateria acena partida, um adeus dramático. Cinco por cento, a notificação do esgotamento me ameaça para colocar o tal aparelho para carregar na tomada, se não fosse a solidão da escadaria dos degraus que levam ao terceiro andar, até seria possível, mas o celular age mesmo assim categoricamente, ele resiste, confia, ele resiste.


Finalmente a tão aguardada notificação aparece. "Seu pedido está a caminho" soa como uma aleluia aguda durante a espera eterna. Um sorriso silencioso ocupa o semblante.

- Débito ou Crédito? - Débito. Uma iguaria árabe, apesar de crua tem sua morosidade, cuidado do preparo, escolha dos ingredientes... Retorno com o jantar nas mãos e  sigo em rumo às escadas solitárias que vão para o terceiro andar.

Claíse Albuquerque | Crônica Autoral | 2022

 

                                                           MULHERES EM APUROS                                   


 

 Não sei para vocês, mães, mas eu soube o dia que meu filho ia nascer. 

Naquele dia, acordei meio estranha, meio sem graça, nem o melhor humorista do Brasil seria capaz de arrancar um sorrisinho meu, quanto mais uma gargalhada. 

Tomei um café da manhã bem básico: pão com margarina e leite com achocolatado (foi leite com Toddy, mas não sou besta de fazer propaganda de graça, não é mesmo?).  

Divaguei pela TV sem prestar atenção em nada que passava. Estava me sentindo igual aquelas pessoas em filmes, quando sofrem algum trauma, que ficam olhando fixo para o nada, segurando um copo de café, mas no meu caso era leite, que naquele dia, levei umas duas horas para tomar tudo.

Descobri que na parede da sala tinham marcas de furos de pregos que eu nunca havia reparado, mesmo morando já a três anos naquela casa. Comecei a me questionar quem morou lá anteriormente e o que penduraram na parede para ter tantos orifícios. A mente estava tão longe, imaginei que a parede foi usada para pendurar bexigas e decorações de um possível aniversário e já imaginava se eu faria o mesmo. Possivelmente no aniversário de um ano de Lorena, eu iria fazer mais furos naquela pobre parede. 

Encostei o prego no local marcado e dei a primeira martelada, o prego entrou poucos milímetros no reboco da parede, dei a segunda martelada e ele entrou mais fundo. Um esguicho poderoso acertou minha face, deixando meu rosto e colo todo molhado, passei a mão nos olhos e boca, e espera! O liquido era vermelho vivo. A parede escorria sangue pela sua pintura cinza claro. Gritei com tamanho horror. 

Abri os olhos em desespero e esfregava as mãos pelo rosto e peito tentando me livrar de todo aquele sangue, até que percebi que estava toda torta no sofá e que aquilo tinha sido apenas um pesadelo. 

Não sei por quanto tempo dormi, mas acordei com fome. Abri a geladeira, tinha dois pedaços de pizza que tinha sobrado do dia anterior. Nossa, mas uma grávida não devia se alimentar melhor. Sim, devia, eu sei. Relevem, era uma segunda feira, e segundas são preguiçosas e aquele dia eu estava mais preguiçosa que o normal. Mas pasmem, a pizza não descia. Eu mastigava, mastigava e não conseguia engolir, estava sem sabor. Parecia que eu estava mastigando isopor. Nesse momento um interruptor virou na minha cabeça, e foi aí que a lâmpada acendeu. Eu ia dar à luz. Desculpe o trocadilho tosco.

Peguei um livro, li 49 vezes a mesma página e se você me perguntar o que estava escrito, não sei te dizer nem qual livro era. Fiz as tarefas de casa ligada no automático, não sei falar se a louça ficou bem limpa e se coloquei o lixo para fora. Talvez eu tenha lavado o lixo e colocado a louça para fora.

Abri os armários e geladeira novamente, procurando algo para comer, mas nem o pote de Nutella que normalmente faziam meus olhos brilharem, não me encantaram naquele bendito dia. 

Eu estava com medo? Claro que não! Estava ansiosa? Claro que não! 

EU ESTAVA ERA SURTANDO! 

Mandava mensagem para minha médica obstetra a cada cinco minutos, mandava mensagem para o meu esposo, mandava mensagem para minha mãe, para minha melhor amiga e só pensava: Meu Deus, ela entrou e agora vai ter que sair.

Cada minuto demorava uma hora para passar. Quando meu esposo chegou do trabalho, eu estava jogada na cama, com um par de olhos esbugalhados (segundo ele). 

Resolvi tomar um banho, na tentativa de relaxar e foi aí que começou meu desespero maior. A BOLSA ESTOUROU! Senti um ploc na barriga, que estava enorme, não via mais a minha Larissinha há muito tempo, e logo em seguida água escorria pelas minhas pernas. Eu não sabia o que era água do chuveiro e água que saia de mim. 

Gritei meu esposo e começou aquela correria para ir para maternidade.

Coloquei uma toalha no banco do carro e lá fomos. Comecei a sentir uma dorzinha de leve, virei para meu esposo e falei: — Se for só isso a dor, tá de boa, dá pra ter mais uns oito filhos. —Tonta, mal sabia eu, o que ainda estava por vir. 

Lorena, fez uma espécie de tampa com a cabeça na minha entrada, que naquele momento era na verdade, a saída. Quando cheguei na recepção da maternidade, ela se mexeu e destampou. Era como se eu estivesse fazendo xixi na recepção. Normal, todo dia acontece isso na maternidade. 

E aí, queridos, o bicho pegou!

Eu não sou capaz de relatar quais foram os próximos passos. Em que momento que colocaram acesso no meu braço, que momento que tirei toda a roupa e vesti aquelas camisolas de hospital que você fica com a bunda de fora, em que momento que me levaram para a sala de pré parto, em que momento que colocaram um aparelho na minha barriga para ouvir o coração de Lorena... não sei... só sei que eu achei que ia parir um Alien. Que estava me rasgando de dentro para fora. Um bebê não podia fazer todo aquele estrago, só podia ser um Alien. 

Eu tentava não fazer escândalo, não queria ficar famosa no hospital. Aquela ali é a doida que estava gritando. Vou lá ver como está a escandalosa. Vou lá dar os remédios pra maluca da vez. Aposto que as enfermeiras falam coisas desse tipo.

Me segurava ao máximo para aguentar a dor. Eu sou mulher! Fui feita pra isso! Tenho o dom de gerar uma vida! Ser mãe é uma dádiva! AHHH PRA PUTA QUE PARIU ESSA DÁDIVA. Isso não é de Deus! 

Sabe quando você pega um frango por baixo para separar o peito da parte traseira? Você segura firme e abre. Era essa sensação que eu tinha, porém de dentro para fora. 

Ahhhh mas as contrações veem a cada 5 minutos e depois fica tudo bem. Uma pinóia! Eu sentia dor todo tempo. Eu vejo gente morta. Com que frequência? Todo tempo! (Me desculpem, lembrei dessa cena). 

Era uma dor inimaginável.

Fiz coisas de gente maluca. Acho que no final das contas fiquei sim famosa no hospital. 

Eu segurei a camisola no pescoço e rasguei. Parecia o Hulk quando se transformava e rasgava o resto da camiseta. 

Na sala de pré parto que me colocaram, tinha umas flores adesivadas na parede. Pois é, TINHA! Eu arranquei com a unha os adesivos. Imagina a cena: Uma mulher com um bucho enorme, sentada na cama, nua (já tinha rasgado a camisola nessa altura do campeonato), apenas com um lençol cobrindo as pernas, virada para a parede e arrancando adesivos com as unhas. Cena de manicômio isso, não é? Não parecia uma cena de quem estava para ter um bebê, o amor incondicional.

Até que passados 5 longas horas de sofrimento, a médica obstetra plantonista do hospital, (minha médica cagou pra mim e levou uma vida inteira para chegar no hospital), aparece na sala e se depara com a doida surtando e diz: Mãezinha, você está indo bem, seu bebê é pequeno e está encaixadinho, aguenta mais um pouco. Quer entrar numa banheira para ajudar com a dilatação?

Mãezinha???

Eu olhei pra um lado, olhei pro outro, olhei pro meu esposo, que estava mais desesperado que eu e com a mão roxa de tanto eu apertar, olhei pra medica que tinha enormes olhos azuis e perguntei quanto tempo ainda levava para nascer. E a medica: — Você está com 4 dedos de dilatação, e pra nascer precisa ter pelo menos 10 dedos. Tem mulher que progride rápido, mas pode levar até 1 hora para cada dedo.

Meus amigos, nesse momento o espírito de Chico Picadinho invadiu meu corpo e eu só gritei: CORTA!! CORTA AGORA!

Arreguei lindamente! Sim, fiz uma cesariana. E isso não me torna menos mãe que uma que ganha de parto normal.

Não é fácil parir um filho. Tem mulher que espirra e o bebê sai? Sim, tem! Mas para a maioria é um ensaio da morte. Parem de romantizar a maternidade e principalmente o momento do parto. Não são flores. Para algumas, pode ser um dia vivendo num filme de terror. 


                        


Sobre a autora:


Cieli Silva nasceu no Paraná, mas cresceu e vive em São Paulo com seu filho Lorenzo e sua gata Luna. Sem querer se apaixonou pela leitura e sem querer se apaixonou também pela escrita.

Começou a escrever em 2019. Possui obras de drama, fantasia, romance erótico e suspense disponíveis na Amazon.

Seu primeiro livro físico, último lançamento “A senha”, um suspense cheio de drama familiar, ganhou em primeiro lugar o prêmio Ecos de Literatura na categoria de melhor thriller/ policial de 2022.

Para saber mais, contate a autora através de seu Instagram: @cielisilva


        


                                             





                                                MEDO DE SAPOS

                                                                                Ivete Rosa de Souza

Não sei se é normal ter medo de sapos. Mas eu tenho verdadeiro pavor. Trabalhava como estagiária em um centro de ajuda a pessoas carentes. Uma certa tarde tive uma indisposição, minha chefe achou por bem me mandar ao médico; fui, constataram que eu estava com problemas gástricos, me deram dispensa por três dias.

Jovem e irresponsável ao invés de ir direto para casa, resolvi ir à casa de uma Tia, que morava ali próximo, ela tinha um lindo jardim na parte lateral da casa.

Eu muito abelhuda me curvei para cheirar uma das flores, que eram da cor violeta, lindas por sinal, eu curiosa, me abaixei ainda mais um pouco na intenção de colher uma delas. E para minha surpresa apareceu sei lá de onde um sapo preto enorme, que pulou em minha direção, pá deu de encontro a minha testa. Foi uma pancada extraordinária.

Mas o medo foi maior, ali mesmo eu desmaiei.

Devo ter gritado ou feito estardalhaço, porque acordei com meus primos e minha tia segurando um pano molhado na minha testa. Quando meus primos moleques brincalhões e desordeiros, souberam o que tinha acontecido, correram para o quintal para pegar o Zé, quem diria o sapo era um animal de estimação da casa.

 Havia aparecido em um dia de chuva e se abrigado no jardim. Minha tia gritou para os filhos que não trouxessem o Zé para dentro da casa, eles obedeceram, mas continuaram a zombar de mim.

 Não sei se outras pessoas passaram por situação parecida, mas eu tenho medo realmente. Já passei por psicólogos, fiz terapia, mas o medo, o pavor me causa enjoo e até dor de cabeça. Um mal-estar que dura dias. Já passei a casa dos sessenta como dizem, mas o medo continua o mesmo.

Em outra ocasião já casada, em uma viagem, acampávamos em várias cidades ao longo da estrada. Estivemos em Blumenau e chegamos a um camping.

         Era tarde para conseguir montar barraca, então aceitamos ficar em um chalé. A primeira coisa que eu vi foram vários sapos amontoados na varanda que dava entrada ao chalé. Congelei.

 Meu esposo riu e me pegou ao colo, empurrou a porta e me colocou sobre a cama, ali eu estaria segura. E foi lá fora espantar a reunião de sapos.

Estava com vontade de fazer xixi. Criei coragem olhando para todos os lados e fui ao banheiro. E o que estava na frente da privada me deixou desesperada, gritei o mais alto que pude, corri para fora do quarto. Meu marido todo sem graça correu atrás de mim pedindo que eu parasse, e eu parei dentro do carro. Dali ninguém ousou me tirar. Passamos a noite dentro do carro. E no dia seguinte pegamos a estrada para outro destino.

 

 

 


Pesquisas recentes afirmam a sintaxe por detrás da escolha final de um libriano. Sim, a escolha final, houveram tantas outras à luz do estado de espírito desse ser humano belíssimo e hiper criativo nascido sob o signo da balança, a casa de número sete do zodíaco, o ultimato libriano precede outros ultimatos finais, mas o autêntico sugere silêncio depois de proferido. Afirmam especialistas.

***

Escrevi em um rascunho, apaguei, dei ctrl + z, editei o texto. Foi parar na lixeira, restaurei, dei uma nova chance, acrescentei uma nova oração.

Postado. Passei um café. Nossa que incrível esse novo filme da Margot Robbie! 






                                                       Crônica

                                                       O Casal

         Uma única vez, vi em uma praça um casal de velhos, que apesar da pele enrugada, os movimentos lentos, como se a vida já os tivesse cansado o bastante, estavam felizes.

         Aquela cena me causou uma alegria imensa, fiquei a imaginar, a história deles, como tinham sido em sua mocidade. Demonstravam que foram felizes, pareciam se importar um com o outro. Ele lhe dava o braço generosamente, e com a outra mão ainda afagava mão dela que se segurava como a um porto seguro.

           Ela sorria e o olhava como se mais ninguém estivesse na rua, caminhavam quietos, não falavam, mas os olhares diziam tudo.

            A vida parecia ter sido generosa com eles. Estavam bem-vestidos. Sentaram-se em um banco da Praça, e continuaram abraçados. Iniciaram uma conversa, não ouvi o que diziam. Em dado momento ele levantou-se, e caminhou até o carrinho de pipoca, que estava a uns cem metros, ela o acompanhou com o olhar sorrindo. Ele voltou com um único saquinho de pipoca e deu a ela.

           A Sra. que eu desconhecia, mas já me era de uma familiaridade completa, pegou uma pipoca e com um gesto suave, levou até a boca dele, e repetiu várias vezes a cena até o último grão.

              Riram não sei de que. Fiquei desesperada para saber. Mas me contive.

              Não era justo interromper aquela cena.

              Eles eram felizes, e isto era o bastante.

            Segui meu caminho. Desejei que eles tivessem ainda, muitas alegrias juntas. Que apesar da idade avançada, eles pudessem caminhar por toda uma eternidade juntos.

          E senti uma pontinha de inveja, eu confesso. Imaginei que poderia ser eu e alguém naquela cena. Mas logo retomei meus assuntos e me esqueci, do casal de estranhos que me deram a alegria de acreditar que apesar de tudo de errado no mundo, ainda existe amor e felicidade.

            E isso é fácil de comprovar, é só observar. Há muitos enamorados no mundo, e os mais felizes são os velhos. Que amam, simplesmente por amar.



Voltava para casa depois de cumprir meu expediente. Caminhava. Aos passos com um pouco de pressa e fé para que a garoa não tornasse um pé d'água. Seguia pensando nas problemáticas rotineiras, faturas pendentes, no protesto da cafeteira rebelde que parou de funcionar, na roupa de cama que precisaria deixar na lavanderia junto com edredons e outras peças de inverno caso chovesse. 


Matutava no que poderia preparar para o jantar, algo que levasse menos de 20 minutos. Miojo? Sugeriu uma voz na minha consciência. Não! Tá maluca? Outra voz condenou. Mas estou com um pouco de fome, respondi. Sopa? Sopa não é janta, ecoou um pensamento perdido. Depende da sopa, insisti. 

Já sei, vou pedir um hambúrguer. 

Todos concordaram.


Sem mais birita 


Por toda a minha jornada entre as eras questionei a existência de outras realidades paralelas, sobre a origem da vida e da morte, sobre a vida inteligente fora do sistema solar e outros assuntos. E algumas indagações ainda são profundamente misteriosas até para mim, arauto de prenúncios divinos. Tão digna é a incumbência dos emissários das ciências, mentes brilhantes! Criaturas além de seu próprio tempo, seres inigualáveis? Talvez! E encontrarão tuas respostas?


Inúmeras descobertas proclamaram tamanhas revoluções no âmbito das erudições. Porém, tais questionamentos ainda adormecidos, e que sazonalmente surgem como uma fagulha de respostas, e assim nasce mais uma estrela no Universo. Mas são só faíscas de respostas, incapazes de calar as vozes das dúvidas. Mas, convenhamos, o que seria do conhecimento se não fossem suas incertezas?!

Incertezas. O que de certa forma é capaz de remodelar qualquer comportamento social e por último, não menos importante, modifica a economia. É um ciclo infindável! Ciências, humanidade, economia, os três porquinhos, cujo lobo mal é o maldito ponteiro de um relógio velho. 

Eu sou Gabriel, o mensageiro de Deus e sobre a ordem regente de toda essa merda, em suma é isso que acabaram de ouvir. Todo esse caos de teorias, conspirações e papo furado, não passam da falta do que fazer. Vão, envenenem seus alimentos e morram!

- Cala a boca imbecil! Hei Maneco, não dê mais bebida pra esse cara!
Ise Albuquerque

 

                           


                                     O Samba Brasileiro no balançar das cadeiras de Maria

                                                                                                   

Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba para a gente sambar.

Maria se levantava assim, cantando a sua música favorita. Dia a dia Maria descia as escadarias do morro em que vivia. Sendo sol, chuva fria, frio ou ventania. Ela era cheia de sorrisos. Descia as escadas, mesmo com fome porque mal dava tempo de engolir um cafezinho. Mas deixa as roupas lavadas e arrumadas. A comida pronta para os meninos, saírem de barriga forrada, e uniforme pronto para irem à escola.

 Para Maria nada era fácil, mãe solteira, cheia de vida e de planos. Parecia que nunca se cansava. Ao final do dia vinha escadaria acima, com pequenos quitutes para seus meninos. Eles dois garotos inteligentes, herdaram de Maria o senso de responsabilidade, e o gosto pela batucada da Escola de Samba que frequentavam cm a mãe.

Maria antes de subir o morro, passava na padaria de seu Joaquim, um jovem senhor boa praça, chegara de Portugal nos anos 70, construiu o sonho de se estabelecer. Era loucamente apaixonado por Maria. Quando a via passar, sentia o coração disparado, “mulata assanhada, que passa na rua fazendo pirraça, tirano o sossego da gente”, mas não se atrevia a falar para a moça sobre seus sentimentos.

Ela só trabalhava e se preocupava com os filhos. Não tinha tempo a perder, nem queria um novo pai para seus pimpolhos. O verdadeiro anos antes os deixara sem sequer explicar a razão.

A vida passava entre seu sonho de ser a porta Bandeira, o trabalho na cidade, e os filhos. Uma vizinha os vigiava, e a qualquer imprevisto avisava a moça. No ano de 1986, Maria foi chamada à diretoria da escola de seu filho mais velho, que agora estava com 12 anos.

Pediu ao patrão que a liberasse, o homem assustado com o estado da mulher, resolveu ele mesmo levá-la à escola. Mas o susto acabou por deixar Maria feliz. Seu filho tinha ganho uma bolsa integral, por ser um aluno superdotado. Agora ela teria mais motivos para sorrir.

O patrão a esperou:— Maria o que aconteceu?   Ela sorrindo disse: — Meu filho mais velho ganhou uma bolsa, ele é muito inteligente. Até aquele momento, ela pagava a escola para os meninos, com seu salário, na empresa que trabalhava como secretária. E nos fins de semana, vendia doces com os meninos na orla da praia.

O patrão ficou abismado: —Maria, esse pessoal da Escola deveria ter falado sobre o que se tratava, até eu me assustei, quando te vi nervosa. Ela riu: —Tudo bem doutor, por essas bandas é assim mesmo, tudo é para ontem.

O Doutor Geraldo, era um advogado de primeira, tinha seus clientes pagantes, mas fazia trabalhos gratuitos para a comunidade. Olhou para a felicidade de Maria e sentiu-se na obrigação de bancar as mensalidades do filho menor de sua secretária.

Quando a deixou à beira da escada, ficou olhando a moça abraçada aos filhos, com tamanho amor e alegria, que chorou dentro do carro.

Ela uma mulher simples, tinha terminado o secundário, quando foi trabalhar no prédio de escritórios. Ele a via sempre sorrindo e brincando com as colegas do sexto andar, enquanto fazia faxina das salas. Ele não tinha secretária, mas precisava urgente de uma. Alguém que atendesse o telefone, e anotasse os recados, enquanto ele ia ao Fórum.

Resolveu contratar a mulher, e ela se mostrou eficiente, e ele aos poucos foi mostrando como ela podia arquivar as pastas, organizar os trabalhos mais recentes, recepcionar os clientes. Maria agora já tinha pegado o jeito, e ele ficava tranquilo até quando não conseguia voltar ao escritório.

Brincava com a funcionária: —Maria, você já é quase advogada. Ela ria de gosto.

Na comunidade, correu a notícia do garoto superdotado. Maria era um orgulho só. “Eu nasci com o samba, e no samba me criei.” Ela e os filhos, subindo a escadaria, parecia uma festa, com aquela cantoria.

Chegou o Carnaval, os meninos de férias escolares. Todos os sábados anteriores foram de ensaios. Ela por enquanto estava à frente da bateria, não queria mais ser porta-bandeira. Estava feliz assim.  No último ensaio o dono da Escola anunciou a presença de um cantor famoso. Maria empolgadíssima, ficou a beira do palco, acompanhou a apresentação, cantando junto, não errou a letra nenhuma vez. O cantor no final da apresentação, a chamou ao palco, lhe deu o microfone, e pediu para que tocassem o samba da escola.

Maria desabrochou como uma linda rosa, cantou a plenos pulmões. Sucesso imediato, todos ficaram boquiabertos, até o senhor Joaquim da padaria, que largava a padaria para ver os ensaios, tudo por causa de Maria. “Deixa eu te amar/ faz de conta que eu sou o primeiro/na beleza desse teu olhar/ eu quero estar de corpo inteiro.

Ao terminar a apresentação, correu para o senhor Joaquim: —Eu vou cantar no show, com aquele cantor. E foi assim que Maria passou seus dias, cantando samba no rádio, indo para a Tv, e o senhor Joaquim depois daquele abraço, se declarou. Até os meninos festejaram.

Maria desceu o morro, mora ainda na casa de Joaquim agora seu esposo. Apesar de ter ganho dinheiro, seus filhos agora formados, não quis largar o samba. Não esqueceu da sua escola, ainda sai de baiana, já foi porta bandeira e destaque, está como sempre imaginou, uma senhora alegre, esperando o segundo neto chegar.

“O samba da minha terra deixa a gente mole/quando se canta todo mundo bole. Eu nasci com o samba e no samba me criei/do danado do samba nunca me separei.

 

                                                   Agora um pouco de história

Por volta de 1870, desfilavam os primeiros ranchos carnavalescos cariocas criados pelos negros baianos do Morro da Saúde; ao som de um novo ritmo que incuia o batuque, estribilhos do folclore nordestino, e os sapateados do maxixe. Nascia o samba.

A maestrina Chiquinha Gonzaga, ao compor a marcha "O abr alas", a pedido dos componenetes do cordão Rosas de Ouro, aproveitava conforme ela própria afirmou, o ritmo "marchado" que os negros imprimiam às músicas, enquanto avançavam pelas ruas entre volteios, requebros e negaças.

O Samba e a marcha eram ambos produtos do carnaval, tenho certeza que todos gostando ou não de Carnaval, conhecem algumas das letras dos sambas mais famosos. Letras que são meramente poesias cantadas e dançadas, como essa que segue:

Ô abre alas que eu quero passar

Peço licença pra poder desabafar

A jardineira abandonou o meu jardim

Só porque a rosa resolveu gostar de mim

A jardineira abandonou o meu jardim

Só porque a rosa resolveu gostar de mim


Eu não quero a rosa

 Porque não há rosa que não tenha espinhos

prefiro a jardineira carinhos

A flor cheirosa

E os seus carinhos.

 A poesia está em todo lugar, nossa lietratura e música sempre andam de mãos dadas, encontre um ritmo, e analise as palavras, em tudo há uma história. 

"Não deixe o smba morrer/  Não deixe osamba acabar/ o morro foi feito de samba/ De samba pra gente sambar."

  Fonte de pesquisa :Livro Ouvinte consciente 

Editora do Beasil, ano 1973