O Feirante da rua Sargento Hércules


O trânsito estava normal como de costume para um sábado de verão. Sem vento, só calor, sem nuvens, no céu só estrelas estupidamente brilhantes. Cheguei no Bairro Coophasul por volta das 17 horas nem muito cedo, nem muito tarde. Abri a velha perua azul celeste e retirei o meu kit feira. Montei a barraquinha modesta na rua Sargento Hércules, feira noturna, sábado a noite, muitos moradores acima de sessenta anos frequentavam a feirinha. Terminava de ajeitar os livros e vinis, quando um senhor se aproximou com uma sacola do Supermercado Camila da Rede Econômica.

- Noite, o senhor por um acaso tem ai livros de relatos de guerra, combatentes históricos, essas coisas.

- Como o senhor se chama?

- Me chamo Joaquim, Joaquim Serra de Oliveira.

- Pois bem seu Joaquim Serra de Oliveira, eu vou ter aqui "Os Meninos da Guerra das Maldivas" do Jornalista Daniel Kon. Hoje colunista do Clarín.

- Já li sobre as maldivas, conheço os artigos desse argentino saudosista, vou levar!

- Que beleza! E a primeira venda da noite vai para o senhor com a sacola de supermercado, Joaquim Serra de Oliveira!

- Muito obrigado filho, agora tenho que ir, a patroa está me esperando. Até mais ver!

Depois da venda para o senhorzinho continuei com minha arrumação da banca, peguei uma edição de contos de Machado de Assis, o povo tinha começado a aparecer, precisava agir com meu marketing elaborado. Fiquei na frente da banca para anunciar alguns títulos para os transeuntes.

- Romances e Dramas, só cinco reais, só cinco reais. Vai um romance ai moça? - Não obrigada! - Um suspense? - Não moço, obrigada, não gosto de ler. "Ela não gosta de ler", repeti apenas para o meu eu interior, a moça certamente possuía algum tipo de transtorno psicológico, já que ela lê tudo em sua volta, o que parecia não saber disso. Essa afirmativa é muito perspicaz, ela lê as mensagens no seu celular, lê as promoções das lojas, lê o extrato do seu saldo bancário, tudo é leitura, camarada. Mas já passou, a moça já tinha ido embora enquanto eu dialogava comigo e sorria feito um maluco nessa noite de sábado na rua Sargento Hércules do bairro Coophasul.

Já estava escuro quando apareceu o casal simpático da noite, era Pablo e Claíse. Os dois sempre passavam por mim todo santo sábado. Ela vestia uma camisetinha cor-de-rosa com estampa de gatinhos e também usava um laço vermelho na cabeça. Pablo usava a mesma camiseta preta com a cara do Raul Seixas, todo sábado era a mesma camiseta. Gostava de ver os dois juntos. Ela ficava na minha banca dedilhando todas as fileiras de livros, comentava cada um que escolhia, eu adorava conversar com eles. Mas o momento de escolher um livro era muito particular, então eu não abria o bico.

- O que está procurando meu amor? Perguntou o jovem vestido com a camiseta do Raulzito.

- Não sei. Ele sorri e não diz nada. Eu dou um sorriso pra ele também e sugiro algo.

- Tenho essa coleção que chegou essa semana. Vem de uma coleção conhecida como "Mistérios do Desconhecido", acho que você pode gostar. Foi certeiro. Ela adorou e levou dois volumes. Trocou uma ideia comigo sobre fatos sobrenaturais e até me indicou algumas leituras. Falou sobre filmes de horror e cantigas infantis.

- Vamos! Se deixar ela falar, vai passar a noite toda... Sugeriu Pablo com toda a simpatia e educação de um verdadeiro cavalheiro. Eles me agradeceram e foram embora. Em seguida passou por mim um outro casal. Não conhecia muito bem, já tinha visto esses dois por aqui. Ele tinha um jeito reservado, usava um boné agrícola, calça jeans e botinas escuras. Ela usava um vestido azul. Passaram por mim no auge da minha atuação artística, quando lia o poema "A Cantiga do Sertanejo" de Álvares de Azevedo.

"Donzela! Se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
que tenho no coração!
E se ouviras o desejo
Do amoroso sertanejo
Que descora de paixão!"

- Que lindo! Você que fez? Perguntou a moça de vestido azul. Antes que eu respondesse qualquer sílaba;

- Foi...

Um punho cerrado aproximou-se como um cometa, bem na minha cara. Entendi o recado sem o manifesto de uma única palavra, claro, podia ser maluco, mas não era idiota. Sem poemas ultra românticos para essa noite de sábado na rua Sargento Hércules do bairro Coophasul. Da próxima vez vou recitar algo do Ferreira Gullar ou Olavo Bilac, depende.





2 comentários:

  1. Muito bom, quase que conseguia ver essa bancada nas ruas do Chiado numa tarde de Domingo soalheiro

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    1. Oi Lara, esse feirante ainda vende seus livros nas feirinhas, moderadamente recita poesias rs

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