MULHERES EM APUROS
Naquele dia, acordei meio estranha, meio sem graça, nem o melhor humorista do Brasil seria capaz de arrancar um sorrisinho meu, quanto mais uma gargalhada.
Tomei um café da manhã bem básico: pão com margarina e leite com achocolatado (foi leite com Toddy, mas não sou besta de fazer propaganda de graça, não é mesmo?).
Divaguei pela TV sem prestar atenção em nada que passava. Estava me sentindo igual aquelas pessoas em filmes, quando sofrem algum trauma, que ficam olhando fixo para o nada, segurando um copo de café, mas no meu caso era leite, que naquele dia, levei umas duas horas para tomar tudo.
Descobri que na parede da sala tinham marcas de furos de pregos que eu nunca havia reparado, mesmo morando já a três anos naquela casa. Comecei a me questionar quem morou lá anteriormente e o que penduraram na parede para ter tantos orifícios. A mente estava tão longe, imaginei que a parede foi usada para pendurar bexigas e decorações de um possível aniversário e já imaginava se eu faria o mesmo. Possivelmente no aniversário de um ano de Lorena, eu iria fazer mais furos naquela pobre parede.
Encostei o prego no local marcado e dei a primeira martelada, o prego entrou poucos milímetros no reboco da parede, dei a segunda martelada e ele entrou mais fundo. Um esguicho poderoso acertou minha face, deixando meu rosto e colo todo molhado, passei a mão nos olhos e boca, e espera! O liquido era vermelho vivo. A parede escorria sangue pela sua pintura cinza claro. Gritei com tamanho horror.
Abri os olhos em desespero e esfregava as mãos pelo rosto e peito tentando me livrar de todo aquele sangue, até que percebi que estava toda torta no sofá e que aquilo tinha sido apenas um pesadelo.
Não sei por quanto tempo dormi, mas acordei com fome. Abri a geladeira, tinha dois pedaços de pizza que tinha sobrado do dia anterior. Nossa, mas uma grávida não devia se alimentar melhor. Sim, devia, eu sei. Relevem, era uma segunda feira, e segundas são preguiçosas e aquele dia eu estava mais preguiçosa que o normal. Mas pasmem, a pizza não descia. Eu mastigava, mastigava e não conseguia engolir, estava sem sabor. Parecia que eu estava mastigando isopor. Nesse momento um interruptor virou na minha cabeça, e foi aí que a lâmpada acendeu. Eu ia dar à luz. Desculpe o trocadilho tosco.
Peguei um livro, li 49 vezes a mesma página e se você me perguntar o que estava escrito, não sei te dizer nem qual livro era. Fiz as tarefas de casa ligada no automático, não sei falar se a louça ficou bem limpa e se coloquei o lixo para fora. Talvez eu tenha lavado o lixo e colocado a louça para fora.
Abri os armários e geladeira novamente, procurando algo para comer, mas nem o pote de Nutella que normalmente faziam meus olhos brilharem, não me encantaram naquele bendito dia.
Eu estava com medo? Claro que não! Estava ansiosa? Claro que não!
EU ESTAVA ERA SURTANDO!
Mandava mensagem para minha médica obstetra a cada cinco minutos, mandava mensagem para o meu esposo, mandava mensagem para minha mãe, para minha melhor amiga e só pensava: Meu Deus, ela entrou e agora vai ter que sair.
Cada minuto demorava uma hora para passar. Quando meu esposo chegou do trabalho, eu estava jogada na cama, com um par de olhos esbugalhados (segundo ele).
Resolvi tomar um banho, na tentativa de relaxar e foi aí que começou meu desespero maior. A BOLSA ESTOUROU! Senti um ploc na barriga, que estava enorme, não via mais a minha Larissinha há muito tempo, e logo em seguida água escorria pelas minhas pernas. Eu não sabia o que era água do chuveiro e água que saia de mim.
Gritei meu esposo e começou aquela correria para ir para maternidade.
Coloquei uma toalha no banco do carro e lá fomos. Comecei a sentir uma dorzinha de leve, virei para meu esposo e falei: — Se for só isso a dor, tá de boa, dá pra ter mais uns oito filhos. —Tonta, mal sabia eu, o que ainda estava por vir.
Lorena, fez uma espécie de tampa com a cabeça na minha entrada, que naquele momento era na verdade, a saída. Quando cheguei na recepção da maternidade, ela se mexeu e destampou. Era como se eu estivesse fazendo xixi na recepção. Normal, todo dia acontece isso na maternidade.
E aí, queridos, o bicho pegou!
Eu não sou capaz de relatar quais foram os próximos passos. Em que momento que colocaram acesso no meu braço, que momento que tirei toda a roupa e vesti aquelas camisolas de hospital que você fica com a bunda de fora, em que momento que me levaram para a sala de pré parto, em que momento que colocaram um aparelho na minha barriga para ouvir o coração de Lorena... não sei... só sei que eu achei que ia parir um Alien. Que estava me rasgando de dentro para fora. Um bebê não podia fazer todo aquele estrago, só podia ser um Alien.
Eu tentava não fazer escândalo, não queria ficar famosa no hospital. Aquela ali é a doida que estava gritando. Vou lá ver como está a escandalosa. Vou lá dar os remédios pra maluca da vez. Aposto que as enfermeiras falam coisas desse tipo.
Me segurava ao máximo para aguentar a dor. Eu sou mulher! Fui feita pra isso! Tenho o dom de gerar uma vida! Ser mãe é uma dádiva! AHHH PRA PUTA QUE PARIU ESSA DÁDIVA. Isso não é de Deus!
Sabe quando você pega um frango por baixo para separar o peito da parte traseira? Você segura firme e abre. Era essa sensação que eu tinha, porém de dentro para fora.
Ahhhh mas as contrações veem a cada 5 minutos e depois fica tudo bem. Uma pinóia! Eu sentia dor todo tempo. Eu vejo gente morta. Com que frequência? Todo tempo! (Me desculpem, lembrei dessa cena).
Era uma dor inimaginável.
Fiz coisas de gente maluca. Acho que no final das contas fiquei sim famosa no hospital.
Eu segurei a camisola no pescoço e rasguei. Parecia o Hulk quando se transformava e rasgava o resto da camiseta.
Na sala de pré parto que me colocaram, tinha umas flores adesivadas na parede. Pois é, TINHA! Eu arranquei com a unha os adesivos. Imagina a cena: Uma mulher com um bucho enorme, sentada na cama, nua (já tinha rasgado a camisola nessa altura do campeonato), apenas com um lençol cobrindo as pernas, virada para a parede e arrancando adesivos com as unhas. Cena de manicômio isso, não é? Não parecia uma cena de quem estava para ter um bebê, o amor incondicional.
Até que passados 5 longas horas de sofrimento, a médica obstetra plantonista do hospital, (minha médica cagou pra mim e levou uma vida inteira para chegar no hospital), aparece na sala e se depara com a doida surtando e diz: Mãezinha, você está indo bem, seu bebê é pequeno e está encaixadinho, aguenta mais um pouco. Quer entrar numa banheira para ajudar com a dilatação?
Mãezinha???
Eu olhei pra um lado, olhei pro outro, olhei pro meu esposo, que estava mais desesperado que eu e com a mão roxa de tanto eu apertar, olhei pra medica que tinha enormes olhos azuis e perguntei quanto tempo ainda levava para nascer. E a medica: — Você está com 4 dedos de dilatação, e pra nascer precisa ter pelo menos 10 dedos. Tem mulher que progride rápido, mas pode levar até 1 hora para cada dedo.
Meus amigos, nesse momento o espírito de Chico Picadinho invadiu meu corpo e eu só gritei: CORTA!! CORTA AGORA!
Arreguei lindamente! Sim, fiz uma cesariana. E isso não me torna menos mãe que uma que ganha de parto normal.
Não é fácil parir um filho. Tem mulher que espirra e o bebê sai? Sim, tem! Mas para a maioria é um ensaio da morte. Parem de romantizar a maternidade e principalmente o momento do parto. Não são flores. Para algumas, pode ser um dia vivendo num filme de terror.
Sobre a autora:
Cieli Silva nasceu no Paraná, mas cresceu e vive em São Paulo com seu filho Lorenzo e sua gata Luna. Sem querer se apaixonou pela leitura e sem querer se apaixonou também pela escrita.
Começou a escrever em 2019. Possui obras de drama, fantasia, romance erótico e suspense disponíveis na Amazon.
Seu primeiro livro físico, último lançamento “A senha”, um suspense cheio de drama familiar, ganhou em primeiro lugar o prêmio Ecos de Literatura na categoria de melhor thriller/ policial de 2022.
Para saber mais, contate a autora através de seu Instagram: @cielisilva
Nooooooossa! Nota mil! Adorei! Parabéns Cieli!
ResponderExcluirUau!!! Muito bom, excelente!!!
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