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A lista de ideações preparadas para te derrubar e te fazer sentir incapaz de administrar teu caminho é enorme e como tudo na tua educação é reflexo da ideologia de que aqui na terra se deve sofrer para ganhar o paraíso, tua mente se apega mais a essa lista do que à percepção da outra lista, que lhe faz contrapeso.

Combate em ti esse apego maldito ao sofrimento, porque não se chega ao céu sofrendo, mas se libertando dessa tradição inútil e contraproducente.

Não há receitas prontas para executar esse desapego, tu terás de te movimentar dentro de tua própria alma como se estivesses em um videogame, brandindo o discernimento como a única arma disponível para te abrires passagem no meio dos zumbis que querem te derrubar.

Derruba o que pretende te derrubar, derruba tudo!

Oscar Quiroga



Por quê? Porque ler o mundo facilita a compreensão da vida e das pessoas


Se, hoje, uma pessoa – relativamente madura (já não sei mais o que é maturidade numa sociedade imatura) – perguntasse que curso de licenciatura deveria seguir, eu creio que responderia com toda a minha convicção: Letras.

Como diziam as minhas professoras e mesmo colegas de trabalho: em qualquer concurso, o professor formado em Letras já sai na frente, ele não precisa estudar para a prova de português e, além disso, ele tem considerável facilidade para interpretar textos sobre legislação, conhecimentos gerais etc.

Na minha graduação – e sei que isso provavelmente não seja mais uma realidade nos cursos de Letras -, eu fiz três disciplinas de Língua Latina, que é tida como a língua-mãe do português. Lembro-me que, na terceira disciplina, quando estudamos as orações subordinadas, fez-se a luz, elas são tão simples, tão simples, que eu ria. Quando, como professora de Literatura, “socorria” alunos de ensino médio, eles se diziam encantados: “mas é só isso?”

The Course of Empire - Destruction', por Thomas Cole (1836)

Na disciplina de Filologia Românica, caiu por terra todo e qualquer preconceito linguístico: celtas, iberos, turdetanos, lusos, entre outros, habitavam a antiga Hispânia (atual Península Ibérica, em que se localizam Portugal e Espanha). Eles recebiam a visita de diferentes povos, como gregos e fenícios. Depois, a Península foi ocupada pelos romanos (soldados, aventureiros e prostitutas, portanto, o latim vulgar dominou a região), que nos legaram o Cristianismo. Com a queda do Império Romano, surgiram os povos bárbaros ou vândalos, voltados para a guerra, como suevos, godos, visigodos, ostrogodos, em sua maioria, de ascendência germânica. Foi uma fase breve, porque, pelo Mar Mediterrâneo, chegariam os árabes (muçulmanos ou sarracenos), que ficariam na Península Ibérica por cerca de 700 anos. Do Sul, eles dirigiram-se ao Norte e só não conquistaram, de fato, a Catalunha e o País Basco (entenda, por favor, os motivos que fazem a Catalunha e o País Basco não se identificarem com a Espanha!). No processo de Reconquista, surgiu o Condado Portucalense, origem do atual Portugal, mas que, realmente, expulsou os árabes foram os reis de Castela e Aragão, Isabel, la Católica, e Fernando – sabe o que é legal? No mesmo ano em que garantiam a saída dos sarracenos, Colombo, financiado pelos reis da Espanha (Fernando e Isabel), aportava no continente que chamamos América. Era 1492. É sempre importante lembrar que vieram para a América: soldados, aventureiros, prostitutas e, claro, os prisioneiros / degredados ou exilados, como queira.

Já me disseram e eu concordo: Letras tem uma origem aristocrática: a exemplo de advogados e filósofos, os “letreiros” voltam ao panteão grego, à mitologia, às tragédias e às epopeias, ao pensamento que vicejou em Atenas no chamado “Século de Ouro”, por volta de 450 a.C., quando viveram, entre outros, Aristóteles, que fornece os principais elementos para análise e compreensão do pensamento literário. A tripartição clássica dos gêneros literários pertence ao filósofo de Estagira, que considera a epopeia (como “Ilíada” e “Odisseia”), que hoje conhecemos como gênero narrativo; as tragédias (especialmente, de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes), origem do teatro e do gênero dramático; e o gênero lírico, a que atribui pouca relevância, porque era a manifestação de um eu, único, subjetivo.




Aristóteles ainda nos legou dois conceitos fulcrais no trato literário (e não pensem que eu vou tematizar a literariedade dos formalistas russos do século XX): a mimese e a catarse. Para Platão, o artífice copiava as coisas como via e, portanto, Platão desprezada os artistas, que (re) criavam a natureza por meio da palavra, da pintura etc. Aristóteles introduz a ideia da mimese, como recriação da realidade. Não é a realidade, mas uma forma de vê-la (os teóricos da História Nova, nos anos 1970, admitiriam que até mesmo a História é uma recriação da realidade feita a partir de documentos, escavações, depoimentos, indícios, mas que o historiador acaba “fechando brechas” para que o leitor entenda os acontecimentos.

No que tange à catarse, eu gosto muito de referir o melodrama, que surgiu na França, logo depois da Revolução de 1789. Ele tem uma estrutura simples: tudo está bem, algo acontece que desestabiliza a situação, mas o mal é vencido e a situação do bem se restabelece (estrutura típica das telenovelas). Havia um povo, o francês, que vivera uma sangrenta, conturbada revolução, com milhares de mortos, era preciso “dizer-lhes”, “demonstrar-lhes” que tudo ficaria bem, que o bem venceria e todos seriam felizes. Os espectadores saíam aliviados das encenações do melodrama que, em geral, aconteciam em praça pública. Quem estava por aqui naquele 01 de maio de 1994 lembrará da morte de Ayrton Senna, todos choramos a morte dele, mas todos fizemos uma “catarse” coletiva: choramos os nossos dramas, a inflação alta que vinha corroendo os nossos salários, a decepção que havia sido o governo Collor etc.

Duas considerações finais: quando eu cursei Letras, havia uma disciplina chamada Teorias da Comunicação, que se poderia dizer muito próxima da oratória. É-me muito fácil observar um advogado ou um político, ouvir as suas palavras, os seus trejeitos e identificar estratégias de convencimento ao público. Piso, aqui, em ovos, mas tomo o ex-presidente Bolsonaro: fala simplória e truculenta, roupas comuns, refeições à base de pão e leite condensado faziam o quê? Aproximavam-no do povo, do homem comum. Houve quem acreditasse.

Por último, nas disciplinas de Crítica Literária somos ensinados a analisar textos escritos e, para tal, lançamos mão de inúmeras metodologias. De minha parte, gosto muito de considerar o tempo histórico de escrita da obra, ou seja, as relações entre Literatura e História. Mas há outra maneira de analisar-se uma obra, a Psicologia da Literatura e, para isso, as leituras dos textos de Freud são uma necessidade absoluta.

Durante a pandemia, eu fui uma das pessoas que mais bradava contra a negação da doença e da morte da nossa gente. Não vou teorizar sobre o tema, afinal, não sou psicóloga, mas qualquer site de busca indicará as fases do luto e ele começa exatamente com a negação (era, sob certo aspecto, irônico, talvez, trágico, ouvir as pessoas dizerem que não viam mais televisão, afinal, só se noticiavam mortes – é o isolamento das causas que nos fazem sofrer); passa pela raiva – e quem foi objeto de raiva? Aqueles que não seguiam os mesmos parâmetros, aqueles que não negavam a doença, que lutavam pelas vacinas. Depois, vem a barganha: “É, por via das dúvidas, vou me vacinar!” Tem-se ainda a depressão e, por fim, a aceitação.

Não é ser mais do que ninguém, talvez o profissional da área de Letras saiba um pouco mais do que os outros e isso lhe facilite (e, por vezes, dificulte) o entendimento com as demais pessoas, que irritam com a sua (do “letreiro”) leitura do mundo. Agregue-se que nós, professores “natos” de Literatura, já lemos tanto sobre sentimentos humanos em outros tempos, em outras sociedades que apenas identificamos agora em nossa sociedade. É importante frisar: nem todos os professores formados em Letras têm a mesma habilidade e a mesma compreensão do mundo, existe algo que é muito relevante: o esforço pessoal que, ao final da graduação, fará uma grande diferença.




Tem leitura que integra os pensamentos, fica em você. O livro volta para a estante e permanece lá em silêncio, o que foi contado através das páginas salta e cria raízes. Li "Poeira das Estrelas" do professor Marcelo Gleiser ainda em 2010 se não me falha a memória, isso depois de ter assistido uma entrevista dele com o apresentador Roberto D'Avila. Durante a entrevista foi mencionado sobre um curso que o professor lecionava, o curso se chamava "Astronomia para Poetas", achei fantástico, confesso que o termo foi uma das coisas que me puxou a atenção na TV naquele domingo fim de tarde. 

Desde os primórdios temos relatos históricos sobre a incansável necessidade de se explicar a origem da vida, nascimento e morte, as mudanças da natureza e a dança dos astros. O céu diurno ou noturno guardava algo misterioso, e sob a cabeça dos nossos observadores ancestrais pairavam muitas dúvidas, a ciência ainda engatinhava com suas respostas, cabia a mitologia caracterizar tais respostas com suas poesias e maldições.



"A natureza, em todas as suas manifestações, tornou-se divina, ela mesma uma deusa. E os deuses, tal como os humanos, tinham seus desejos e vaidades, eram capazes de grandes feitos e de grandes tragédias. Segundo a maioria dos mitos de criação, foram eles que orquestravam a origem de todas as coisas. Essas histórias, centenas delas refletem a cultura daqueles que as criaram, seus valores, o lugar onde vivem e, em alguns casos, onde ainda vivem." 


"Para explicar o mistério da criação, os mitos assumem um caráter religioso, e a realidade é dividida em duas partes: a realidade natural em que vivemos e outra, sobrenatural, habitada pelos deuses. Essa realidade sobrenatural não obedece às mesmas regras da realidade natural. O sobrenatural pode criar e interferir no natural. Em geral, deuses existem por toda a eternidade. É essa longevidade que os diferencia dos homens, meros mortais: ser deus é ser alheio à morte, é existir fora do tempo"




Nenhuma outra espécie do mundo pode se comunicar como o ser humano. O nosso potencial de raciocínio nos possibilitou a concepção de sinais e símbolos os quais usamos para reproduzir realidade e pensamentos, proporcionando a capacidade não só de transmitir conceitos e impressões, como para registrá-las, uma ferramenta essencial para o processo contínuo de evolução. É por meio da fala e da escrita que a informação é passada através dos tempos, viabilizando a revisão e modificação de conceitos, refinando conhecimento, provocando desenvolvimento. Neste contexto, os humanos criaram diversas formas de transmissão de ideias, pelo que destaco a que considero a mais eficiente de todas: a contação de histórias.

Show, don’t tell


A expressão em inglês “show, don’t tell”, ou “mostre, não fale” em português, é uma técnica onde o escritor deliberadamente substitui uma descrição mais direta, para uma narração onde os aspectos do que ocorre são demonstrados subjetivamente por reações dos personagens, ou dos efeitos causados no ambiente. Em vez de escrever “uma grande explosão”, por exemplo, o escritor poderia escrever algo como “… a onda de choque lançou-lhe a alguns metros de distância…”. Assim, além de conseguir demonstrar a potência da explosão, evoca-se a memória visual, estimulando a imaginação à cena e intensificando a experiência imersiva. É nessa ideia que a contação de história acaba se tornando uma poderosa ferramenta para propagação de informação. Diferente de textos documentais, frios e pragmáticos, uma história contada usa o subjetivo para fazer refletir, demostrar pontos de vista, mexer com os sentimentos. A ludicidade da contação de histórias é usada para imprimir ideias diretamente na essencia, no primitivo ― a empatia do leitor é trabalhada para haver maior identificação com o que deseja que seja comunicado.



Você não sabe, mas está sendo manipulado!


Mas calma, não é de uma forma negativa. Na contação de história tudo é pensado para desencadear sentimentos ― afinal, é por isso que você consome histórias. Para tanto, um escritor deve pensar a todo o tempo nas reações que quer causar no leitor. Quanto mais empatia for gerada, mais o leitor estará preso a leitura. É assim que se é pego analisando, compreendendo e até aceitando algo que nunca se imaginaria plausível. É desse jeito, ao se contar quem era o ser humano antes de virar palhaço psicopata caótico, capaz de executar as maiores atrocidades, que a simpatia e até a torcida do público são conquistadas. É dessa forma que um egocêntrico e perigoso traficante de metanfetamina se torna um anti-herói, ao ser demonstrado seu recém diagnóstico de câncer, sendo ele um simples professor de química de ensino médio e um amoroso pai de um adolescente com deficiência.

Formas de contar histórias têm aos montes e para todos os gostos, mas todas elas têm em comum o objetivo de mexer com sensações. Não importa se for algo raso ou profundo, se efetivo, se termina com um sorriso ou em lágrimas de satisfação.

Queremos sentir tudo, em todo lugar e ao mesmo tempo


E sentir é o que rege esta era que vivemos, onde tudo tem que ser intenso. A Internet e os dispositivos eletrônicos proporcionaram acesso instantâneo a todo tipo de prazer em praticamente todo lugar no globo. A procura por satisfação já não exige grande esforço; recursos para liberar dopamina no cérebro estão disponíveis num intervalo entre o pensamento de mover a mão e o ato de pegar o celular. Temos abundância de diversão, mas nos falta tempo. Se a sensação não é máxima, migramos para outro estímulo para mantermos o alto nível de excitação. Não temos mais paciência de aguardar grandes hiatos para o próximo vídeo que nos instigue. Exigimos o consumo de mídias que nos tomam o menor tempo e que sejam de fácil acesso. E aí está o desafio dos contadores de história da atualidade.

You shall not pass beyond page two hundred

Antes da escrita, a contação de história era realizada apenas no boca a boca, com a audiência sentada em volta de uma fogueira sob as estrelas. Como tudo na humanidade, muito de lá para cá se diversificou, tanto nas formas de contar, como nas formas de propagar histórias. Hoje temos em mãos sequências infindáveis de vídeos de durações mínimas providas por redes sociais. Como competir com isso? Um calhamaço de mais de quinhentas páginas excessivamente descritivas? Isso talvez fosse sucesso na época do autor de J. R. R. Tolkien, de O Senhor dos Anéis, mas é algo que está cada vez mais caindo na preferência de uns poucos ― lembrando que leitura, no Brasil, nunca foi um hábito popular. O mundo clama por coisas breves e diretas ― romances de não mais que duzentas páginas, novelas, noveletas e contos.




Deixa eu te contar
Repare no poder desta expressão. Em quatro curtas palavras, você nem introduziu o assunto e já informou ao interlocutor sobre algo interessante a ser contado, provavelmente despertando-lhe a curiosidade. É disso que estou falando, intensidade instantânea. Conseguir isto numa primeira página é o ideal ― no primeiro parágrafo é o suprassumo. As pessoas não querem esperar para serem fisgadas no decorrer de uma narrativa, mas logo em seu início, e isso é uma regra geral ― não importa se numa história mais longa ou uma curta, é preciso estimular o interesse o quanto antes. O ritmo do que se é contado se dá através da observância de vários elementos, porém um deles é o que faz a história mover: o conflito.

Ao sair de casa para ir à padaria, ninguém chega contando sobre a experiência, a menos que tenha tido alguma perturbação na ordem natural das coisas ― um acidente de carro; pessoas discutindo; alguém que tropeçou e derramou todas as compras no chão. ― É preciso que algo extraordinário ocorra para que um evento seja digno de ser contado, sendo o conflito o combustível de qualquer história. Podendo até ser numa narrativa mais arrastada, uma história torna-se interessante mediante os conflitos vividos pelos personagens. E, se estamos falando de um mundo desejoso por consumir histórias curtas que não tomem muito tempo ― principalmente quando consideramos a concorrência desleal com os milhares de vídeos de ínfima duração disponíveis a todo momento ―, talvez uma estrutura narrativa salte aos olhos e se mostre mais adequada a esta realidade ansiosa que vivemos: os contos.

Não é falta de tempo, são outras prioridades


O que faria uma pessoa deixar as redes sociais para ler um texto? Eu sei, é injusto. Primeiro, tem que se contar com a vontade da pessoa em ler. A partir daí a questão é o quão competente um escritor é para manter o leitor cativado no decorrer das páginas ― e quanto mais páginas, mais complexo se torna o trabalho. Em textos mais longos, há maior necessidade de trabalhar personagens, ainda mais se for algo multiplot (histórias com mais de um protagonista). A caracterização de personagens é algo crucial em romances. Eles devem ser falhos, imperfeitos e precisam trilhar um caminho de redenção, é aí onde o escritor deve lapidar para ganhar a empatia dos leitores. Mas, sejamos realistas: onde está o personagem bem trabalhado em vídeos de pessoas fazendo passinhos de dança? Cadê o protagonista lutando contra sua própria personalidade em vídeos de animais fofinhos fazendo alguma gracinha? É como eu falei antes: experiências de máximo gozo num curtíssimo tempo. Tendo isso em mente, a estrutura narrativa onde mais podemos nos aproximar disso são contos. Histórias que exercem sua função em poucas páginas — até em poucos caracteres. É claro que a completa despreocupação com outros elementos na narrativa provavelmente ocasionará o desprezo do leitor na história, mas o próprio tamanho de um conto solicita um menor planejamento.

Porém, se engana quem acha que isto torna a escrita mais fácil. Aliás, para muitos, resumir uma história em algumas poucas páginas pode ser uma tarefa muito mais complicada do que escrever um romance de centenas de páginas.

Menos é mais


Num conto, a descrição de cenas, na sua maioria das vezes, deve prestar o serviço de causar alguma reação ao leitor. Seja curiosidade, suspense, euforia, nada precisa ser descrito se não for para gerar sentimentos. É claro, pode-se descrever a decadência de um quarto para demonstrar o estado de miséria de um personagem (lembram-se do “conte, não mostre”?), por exemplo, mas use tal recurso com cuidado. O desenvolvimento da história deve ser contada dando ênfase no relato de eventos que fazem a história mover do ponto A ao ponto B, tirando qualquer coisa que seja irrelevante. Usando o exemplo de ir à padaria comprar pão, quando se presenciou um acidente de carro, alguém não chegará em casa contando “… o dia estava quente, sem nuvens num céu de azul infinito. Eu estava passando pela esquina da Rua X, quando vi Fulano e acenei…”. Alguém que presenciou um acidente não falará de como o dia estava quente e que encontrou um conhecido, a menos que isso tenha relação direta ao evento que fez a história digna de ser contada. Talvez num texto, mesmo num conto, esses elementos sejam consideráveis para contextualizar, porém, mais uma vez, há que se ter cuidado com a utilização de alguns recursos. Um tanto de prolixidade e o texto deixa de ser um conto e passa a ser uma estrutura narrativa maior.

Da mesma forma, já que não há tanto labor com relação à personagens, diálogos devem ter mais função informativa para a história. Claro, é interessante ter um mínimo de rastreio das personalidades contidas na obra, para não criar discrepâncias entre carateres e falas. Não se pode trazer uma voz tímida a alguém num diálogo e em outro demonstrar essa mesma pessoa com maior segurança ― exceto quando aconteceu alguma mudança que se queira demonstrar.

Aliás, em se tratando de personagens, não é preciso dizer, quanto menos, melhor! Pode-se ter vários ocasionais, mas dois ou três que perpassam por toda a história é mais interessante. Com pouco espaço, a preferência é que tudo no texto esteja voltado ao desenrolar ágil da trama.

História sem fim


Mesmo o conto sendo um texto curto, não quer dizer que o tempo discorrido nele não possa ser equivalente a um período extenso. Pode-se até contar uma história épica, lembrando-se sempre de apenas detalhar o essencial. Pode-se omitir algum intervalo maior, sem especificar nenhum evento, apenas dando uma ideia geral do que ocorreu: “… por anos, fulana viveu seus dias com relativa normalidade, até seus fantasmas voltarem a assombrá-la…”, e assim, voltasse a contar num período onde novos acontecimentos encaminharão para o fim da história.

E por falar nisso, tenha em mente que finais abertos encaixam-se perfeitamente a este tipo de estrutura, visto que a história pode condizer a uma fatia de outra maior. Pode-se ainda ter seu início vinculado a alguma cena que já estava ocorrendo, sendo a história contada no conto apenas uma parte de uma cena. Nesses casos, tanto o início, ou o fim, não estão definidos na fatia de tempo narrada. Este é um tipo de recurso que pode denotar o tanto de habilidade e experiência do escritor, a capacidade de terminar o texto sem que se acabe, parando exatamente no ponto onde tudo que se desejou contar foi contado e deixando para o leitor o necessário para que ele mesmo imagine o que pode ter ocorrido. É uma experiência a mais a agregar ao texto.

Nem todo sorriso de satisfação provém de experiências confortáveis


Como já debatido aqui, experiências sensoriais são os objetivos da contação de histórias e no decorrer da narrativa, que sentimentos despertar, depende muito do momento do relato e o que se pretende passar em cada enxerto. Às vezes, se quer demonstrar características do personagem, outras é um trecho mais informativo, para revelar algo da história, porém o tom da experiência da leitura deve ser regido pelo gênero literário. Sendo uma história de ação, a maioria dela será contada por via de cenas frenéticas que inspiram adrenalina ao leitor. Se for drama, o caminho a ser trilhado pelos personagens despertará tristeza e pesar. Se for terror, o que deve ser trabalhado é o desconforto através do medo e do horror. E, falando em específico sobre este gênero, é importante esclarecer uma dúvida muito recorrente: a diferença entre terror e horror.

Segundo o pesquisador e escritor de ficção literária de horror, Oscar Nestarez: “… o terror seria o prazeroso efeito extraído de um elemento sublime que é posicionado a uma distância apropriada do leitor ou do espectador; e o horror, ao contrário, é aquilo imediatamente à frente”. Sintetizando, terror é a expectativa do que pode ocorrer, enquanto o horror é a sensação frente ao que já ocorreu. O gênero de Terror é mais comumente designado desta forma no Brasil, porém tanto os sentimentos de terror como de horror, são os que orquestram uma história (em inglês, por exemplo, o gênero é chamado de Horror). Seja proveniente de algo sobrenatural ou não, é com a estranheza de coisas impossíveis; com o suspense perante algo terrível prestes a acontecer; com a agonia de alguém em sofrimento físico; com o asco de alguma cena repulsiva, que se instrumentaliza a vivência da leitura. Um leitor de Terror não quer ser levado por um campo de relva verde e flores perfumadas. Ele quer experimentar reinos infernais, ou casas amaldiçoadas, ou manicômios imundos. Ele quer ser tragado para mundos alienígenas com criaturas monstruosas, ou para uma sala onde alguém está sendo cruelmente torturado. É neste momento que descrições são importantes. Não apenas do ambiente, mas das sensações dos personagens ― e aí, sim, quanto mais detalhes, melhor. Sempre que puder, não usar adjetivos ou advérbios ― daí, voltamos ao “show, don’t tell”. Num texto de Terror, o que se quer é causar desconforto e, portanto, é melhor não dizer que o personagem está com dor, mas detalhar o processo que está lhe causando dor e as lesões que estão lhe sendo infligidas. Assim, o leitor não sentirá dor, mas poderá visualizar a cena e se sentirá incomodado. Melhor não dizer que o personagem está com medo, mas demonstrar o que o faz ter medo e as reações dele frente ao perigo iminente. Aliás, a antecipação do que vai ocorrer é uma ferramenta indispensável. A descrição arrastada dos momentos de apreensão que precedem algum evento é o manancial do suspense. Mesmo que deságue em uma cena comum, a descrição da impressão por parte do personagem de que algo está errado, perpassando pela sua expectativa até o desfecho, mesmo que seja de alívio, é bastante agoniante!

Qualquer escritor deve ter em mente as características do gênero que está escrevendo e tornar a história intimamente ligada às suas particularidades. Com alguns momentos atenuantes, grande parte de uma história de Terror deve manter um clima tenso, opressor e desconfortável ― e como essas sensações são estimuladas dependem ainda de qual subgênero se está escrevendo: sobrenatural, com entidades demoníacas, fantasmas e lugares mal-assombrados; horror cósmico, com terríveis seres colossais de outras dimensões, infinitamente mais poderosas que os ignóbeis humanos; horror folclórico (folk horror) com seitas sinistras, deuses antigos e elementos ligados a natureza; gore, com componentes que causam repugnância e nojo; ou slasher, onde pessoas vão sendo progressivamente mortas por um ou mais assassinos.

Nada melhor que um trauma para não te fazer esquecer


E aqui finalizamos por onde começamos: reafirmando a competência da contação de histórias em transmitir mensagens. É no despertar de sentimentos, que a experiência se torna “à flor da pele”. Um escritor que sutilmente deseja levantar algum debate, constrói sua história com cenas, diálogos e atitudes de personagens que desembocarão em consequências, experiências imaginadas e sentidas por cada leitor que gerarão empatia. Ao impregnar a narrativa com um ponto de vista, o escritor tem a ferramenta para entalhar ideias nas mentes. Não à toa, na História da humanidade, estruturas narrativas são usadas até mesmo para doutrinação ― desde o nazismo, que utilizou o cinema para disseminar a propaganda por meio de narrativas atraentes para manipular seus adeptos, até hoje em dia, quando, por meio de instrumentos como fake news, pessoas mais susceptíveis à alguma ideologia extrema são conduzidas a acolhê-la cegamente, direcionando-as ao fanatismo.

Como tudo no mundo, a contação de história é uma ferramenta que pode ser usada de diversas formas e para todo tipo de finalidade, e engana-se quem acredita que os contos têm menos poder, por possuírem um curto espaço para a transmissão de informações. Em verdade, é até mais sensato dizer que seu formato condensado se adapta melhor a esta realidade acelerada que vivemos, onde pessoas se aborrecem e trocam de atividades num piscar de olhos que se distraem frente a um parágrafo mais longo e descritivo. É na pequena quantidade de caracteres que vêm a promessa ao leitor que ele não despenderá muito tempo na leitura, mas lembre-se: são nas sensações provocadas, que ele nem vai perceber que o tempo passou.



Cobraram-me, recentemente, que eu não havia “decifrado” certo comentário. Pergunta genial (e que acontece com muita frequência): 

“Como é que tu, tão estudada, não ‘decifrou’ o que estava escrito?!”

Resposta que vale para poetas, prosadores e acadêmicos: o leitor não tem que decifrar o que escrevemos.

Quando Édipo chegou a Tebas, depois de ter matado o rei Laio, que ele não sabia que era seu pai legítimo, deparou-se com uma esfinge e um enigma a decifrar (quem decifrasse o enigma, se casaria com Jocasta, a rainha que ficara viúva, mãe de Édipo, embora ambos não soubessem). A esfinge perguntava: “Que animal, pela manhã, anda em quatro patas; ao meio-dia, anda em três patas e, ao fim do dia, movimenta-se em três patas?” Édipo respondeu e acertou, casando-se com Jocasta.

Isso é adivinhação e isso é decifrar um enigma. Decifrar, neste sentido, é traduzir, decodificar algo que estava cifrado.

Principalmente, em situação de banca de avaliação, mestrandos e doutorandos precisam ser muito claros em seus textos. Devem fazer “perguntas” para o seu texto, porque, depois que escrevemos os nossos textos, eles deixam de ser nossos e passam para “a posse” do leitor, que o interpreta à luz dos seus conhecimentos (inclusive pelos reis do achômetro). Em situação de banca, os avaliadores conhecem o assunto, já leram, pesquisaram, escreveram, mas isso não nos permite pensar que contamos com a condescendência deles. Eles não decifram o que queremos dizer. Eles querem ler o que queremos dizer, muito bem explicadinho.

Eu escrevi, no parágrafo anterior: “não decifram o que queremos dizer”. Creio que todos nós, em redes sociais, já nos deparamos com postagens que desafiam a nossa compreensão.

Em primeiro lugar, o esforço de uma ou duas ou três leituras deve ser feito. Hoje, contaram-me que houve uma postagem em que a pessoa oferecia serviços de massagem terapêutica e estética e a primeira pergunta foi: Faz massagem para dor nas costas? Com boa vontade, entende-se que a indagação tenha sido feita por alguém que desconhece o termo terapêutica. Há, porém, um card bastante exemplificativo da preguiça mental das pessoas: “Venderei bolo de cenoura à entrada da escola, a partir das 13h. Custo de R$ 5,00 por fatia.” De que é o bolo? Qual o valor? Qual o local de venda? A que horas?

Quando escrevemos e isso vale em qualquer situação, mas é muito marcante em redes sociais, um dos requisitos básicos quase nunca cumprido é a pontuação. O ponto de interrogação, por exemplo, que indica uma pergunta, uma dúvida, um questionamento, com muita frequência, é suprimido e o leitor deve deduzir que se trata de uma interrogação, sem que haja indicativos para isso. Como comunicar-se – com clareza mínima – nessas condições. É uma declaração? Use ponto final. É uma pausa? Use vírgula. É uma declaração festiva ou a manifestação de uma surpresa? Use uma exclamação. Não espere que o interlocutor/leitor adivinhe as suas intenções. Ninguém tem a obrigação de “decifrar” as ideias que fossem foi incapaz de expressar.

Com a polarização política, de 200 milhões de técnicos de futebol, transformamo-nos em 200 milhões de advogados constitucionalistas, depois, em 200 milhões de infectologistas/virologistas. A minha médica hematologista, em março de 2020, determinou que eu saísse de circulação diante da pandemia de coronavírus, evitasse – tanto quanto possível – o contato com pessoas fora de casa. Apareceram pessoas leigas para me dizerem que era besteira ou para me receitarem aquele medicamento dito “tratamento precoce” – diga-se de passagem, um remédio que me é proibido, porque tenho problemas de visão. Não só não sabemos escrever, como queremos opinar.

Qualquer “achômetro” perde em credibilidade quando não estiver escrito de forma minimamente compreensível, isto é, sem desvios de linguagem. Pode ser que os simpatizantes do assunto não se importem com “as derrapagens linguísticas”, mas os demais já terão dúvidas sobre aquela opinião em particular. Tanto isso é verdade que um dos quesitos que usamos para testar a credibilidade de um site de notícias é a qualidade do material escrito.

Nós somos, ainda, uma sociedade em que a escrita é fundamental e, como tal, dominar com algum conhecimento a língua escrita em que nos manifestamos é primordial. Quem quiser granjear respeitabilidade, precisa saber expressar o que pensa – com clareza.


 




A literatura é sem dúvida um universo envolvente, um fascínio, é uma poderosa ferramenta podendo ser explorada em qualquer ambiente, assim como em sala de aula. Digo com propriedade, sendo absolutamente grata por ter tido e por ter a oportunidade de conviver com momentos marcantes e experiências que os levarei pra toda vida.

Quando lecionava no fundamental 1,na turma do 1º ano, tínhamos uma rotina, sempre ao iniciarmos a aula, logo vinha o momento mais esperado, a leitura da historinha do dia, o chamado deleite. Era um prestar de atenção surpreendente. O brilho nos olhos dos alunos era perceptível, tinha vezes que a turma pedia pra contar a história novamente. 

O encanto ali surgia!

De inúmeros episódios vividos em todos esses anos, um me marcou muito. Um dia, lá na turma do 1º ano, certo aluno chamado Erisvan, me lembro bem, “Erisvan Araujo” fez me a seguinte pergunta:

_ Ei pró, tu faz um livro de história pra mim?

Tudo que eu descrever aqui, não chegará perto do que senti naquele momento. Muito sentimento envolvido! Aquela pergunta me fez pensar o quanto a literatura era importante na vida daquele aluno. Ali existia uma magia; no ouvir, no contar, no imaginar...

O que eu respondi para meu aluno ao me deparar com aquela pergunta tão inocente e verdadeira?


Falei que se tivesse de fazer uma história, eu poderia criar, sem problema, mas que seria mais fácil eu comprar um livro. Feito! Comprei três livros de literatura infantil e o presenteei com um imenso amor e puro prazer.

Hoje, leciono no fundamental 2. A utilidade dos livros literários, levo para a sala de aula, pois esse suporte traz como recompensa, alunos mais pensantes, críticos, e sobretudo, indivíduos dando um pouco mais valor ao concreto já que o celular os deixa desprovidos de interesse por essa ferramenta deixada empoeirada na estante, gaveta ou coisa assim.

No ano passado tive a oportunidade de estar executando um projeto através da Estante Mágica, no qual meus alunos criaram suas histórias e as mesmas saíram dos rabiscos e se transformaram em livros. Momento ímpar em nossas vidas! 

Sobre o aluno Erisvan do fundamental 1, hoje ele está cursando o 8º ano e a mim foi dada a chance de tê-lo como aluno novamente para que eu pudesse presenciar a evolução de uma criança, de um indivíduo que é cercado por esse encanto, por essas viagens mágicas, por esse mundo prazeroso que é o encanto da literatura.




A realidade por mais severa que possa ser, só define uma única premissa:


A sua capacidade resiliente!


Todos os espinhos são passíveis de remoção. Não existe obstáculo maior que não seja possível despertar a sua força, determinação, sua resiliência.


Ise Albuquerque






 

Ela não usa capa, mas é heroína

Não é formada em medicina, mas sempre tem o melhor remédio para as nossas dores

Não estudou gastronomia, mas faz a melhor comida que a gente já comeu

Ah, e os melhores conselhos, quem foi que te deu? (ou você nunca voltou pra buscar o casaco?)

O abraço perfeito, quem é que tem?

Como é que pode

Em uma pessoa só

Caber tanto amor?

Só Deus sabe as respostas para essas perguntas

E a nós, os filhos, só resta agradecer...

Obrigado, mãe...


Yohanna Rauber Gulanovski