Nos Labirintos da Mente

 

                                                              







                                                              

                                                        


                                                            

Para Hipócrates a teoria dos transtornos mentais era ligada as condições fisiológicas. O funcionamento dos órgãos, principalmente o fígado influenciava o estado mental das pessoas. A crença na relação corpo e mente, permaneceu na Idade Média, até a moral cristã passar a dominar o Ocidente, promovendo uma mudança radical no conceito da loucura. Mas havia aqueles que viam a loucura como resultado do pecado ou possessão demoníaca, solução morte ou exílio.

O encarceramento em massa a partir do século XVII, renascentistas substituíram a visão fisiológica e as explicações religiosas por um racionalismo extremista e muito mais perigoso. Os loucos eram vistos como incapazes de pensar, equivalendo aos animais, e assim encarcerados e vivendo longe da sociedade.

Em 1793 Philippe Pinel surgiu com a visão médica da mente. Esta poderia ser tratada e restabelecida sua funcionalidade. Até o surgimento da psicanálise de Freud, muitos doentes foram estudados e tratados, como meros objetos de estudo, ou simplesmente morriam acorrentados e jogados dos manicômios, sem que houvesse alguma possibilidade de cura ou socialização.

Muitos foram os estudiosos que em nome da ciência, cometeram atrocidades, verdadeiros extermínios, de homens e mulheres e crianças.

O doutor Alexandrino, era um homem magro, de feições carrancudas. Andava pelos corredores dos hospitais à procura de doentes mentais. Com a aprovação de outros médicos, que simplesmente queriam se livrar dos incômodos pacientes, ele os retirava dos hospitais e os levava até um casarão incrustado no interior de uma cidade afastada, lá em nome da ciência, submetia esses pacientes, a verdadeiras torturas, muitos morriam de medo, pois além de seu estado frágil, ainda passavam por terrores impostos, pelo bom doutor e sua equipe.

Por muitos anos, nenhuma família procurava saber desses loucos, que na visão da sociedade, era motivo de deboche, ou entrave na sociedade em que viviam.

O doutor encontrou uma jovem mulher, trabalhando em um desses manicômios, ela era surda e muda. Talvez por ter essa condição, era calma e não apresentava grandes ataques de fúria como os outros pacientes. Ele se interessou em levar a moça com ele, aproveitando que ela não tinha família, tinha sido levada aquele local ainda criança.

Era uma moça bonita com cabelos negros e ondulados, apesar dos maus tratos, a falta de alimentação e a dosagem excessiva de barbitúricos, a jovem era aparentemente calma, fazia tudo o que fosse exigido. Ela seria a cobaia perfeita, para seus planos uma mulher sadia, que não ouvia, não gritaria, estava curioso para saber como ela reagiria, em terror extremo. Sua teoria era, a descarga de adrenalina que uma pessoa libera em um grito.

A jovem aceitou de bom grado a mudança, parte de seus vinte e poucos anos, tinha sido dentro daquele depósito de loucos, ela sabia que era sã, só não conseguia se expressar.

            Ao chegar ao casarão, o doutor chamou uma das enfermeiras, que a conduziu a um quarto bem espaçoso, onde havia roupas normais, já que sempre usara um camisolão listrado, comum aos pacientes doentes mentais; no quarto tinha uma cama com colchão roupas de cama limpas, uma escrivaninha e um pequeno armário. Os banheiros eram separados, em cada andar, um para os homens, outro andar para mulheres, cada um possuía, itens de higiene, pentes, escovas de dentes e sabonetes. Um verdadeiro luxo que jamais tiveram.

Ele a chamava de Lucíola, era assim que informaram. Depois de asseada, sempre acompanhada de uma enfermeira, a moça desceu para o grande salão. Ali a mesa era posta, para todos os internos, comiam à mesa com os funcionários e os médicos residentes.

Nas semanas seguintes, a moça estava deslumbrada, todos eram gentis, ela não trabalhava para poder comer. O bom doutor sempre a tratava com gentileza. Na quinta semana foi retirada da cama no meio da noite, assustada, se viu carregada e encarcerada em um porão. Lá recebeu duchas de água fria com grandes mangueiras, homens encapuzados a submeteram a atos cruéis de estupro e espancamentos, por mais de uma semana.

Permaneceu nua, com frio, deitada sobre uma cama de pedra; somente recebia um pão e um copo d’água desde que não lutasse durante os abusos. Depois era submetida a luz e escuridão, não dormiu por dias, como não ouvia ruídos ou vozes, era pega de surpresa, empurrada e jogada no chão, nos momentos de escuridão extrema.

 Morreu de medo, no quarto mês. Seu corpo foi levado para o outro lado do casarão, um necrotério, cheiro de corpos e de pedaços humanos, onde os cientistas procuravam uma explicação para o medo.

Lucíola, foi dissecada, seus órgãos espalhados em vidros. Mas encontraram na região de seu fígado, um pequeno verme, que mesmo depois de semanas, sobreviveu dentro do corpo inerte.

O bom Doutor, pegou o verme e inoculou em pacientes que podiam falar, na esperança de que explicassem o que sentiam, e os submeteram as mesmas torturas sofridas por Lucíola.

Eram gritos pavorosos, um desespero que ultrapassava toda a compreensão humana. Homens e mulheres que imploravam para morrer, diante da dor, da humilhação e do medo. E morriam em semanas, muitos durante a autópsia mostraram que seus corações simplesmente explodiram, diante da dor e terrores sofridos.

Doutor Alexandrino, estava entusiasmado, convencido que tinha encontrado o motivo da loucura, aquele pequeno verme encrustado no fígado de Lucíola, para ele era o medo, um verme causador da loucura. E para provar sua teoria, começou a sair à noite, pelos cantos escuros da cidade, recolhendo os perdidos, homens e mulheres, vagabundos e prostitutas.

Da mesma forma que os antigos pacientes, lhes oferecia casa, comida e tratamento especial. E duas semanas mais tarde os torturava, quando morriam os dissecava, a procura do verme causador do medo. Em mais de cem pessoas o doutor procurou e não encontrou o arrepio, o verme de Lucíola.

Passou então a inocular até em seus enfermeiros e empregados, todos morriam, até o momento que ele viu o verme sair do nariz de um dos corpos e se refugiar em um recipiente, que continha um dos órgãos de Lucíola.

Teve então a idéia de colocar o verme dentro do corpo oco, da moça, agora mumificado, para seu espanto, o corpo se levantou e o alcançou, outros corpos se levantaram e carregaram o médico até o porão e lá o deixaram. E o arrepio se instalou dentro do médico, que sentiu o terror e a dor que provocara em cada um deles, gritou por dias, chorou e implorou por piedade, mas ninguém o ouviu.

O casarão foi deteriorando, a vegetação tomou conta de tudo, alguns pacientes recém-chegados sobreviveram, mas como eram considerados loucos, jamais foram ouvidos,  assim terminou a teoria de um verme causador do medo e da loucura. E o bom doutor, dizem que ainda grita por piedade, ninguém jamais se atreveu a voltar aquele lugar.

 

 

 

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