“Como é que tu, tão estudada, não ‘decifrou’ o que estava escrito?!”
Resposta que vale para poetas, prosadores e acadêmicos: o leitor não tem que decifrar o que escrevemos.
Quando Édipo chegou a Tebas, depois de ter matado o rei Laio, que ele não sabia que era seu pai legítimo, deparou-se com uma esfinge e um enigma a decifrar (quem decifrasse o enigma, se casaria com Jocasta, a rainha que ficara viúva, mãe de Édipo, embora ambos não soubessem). A esfinge perguntava: “Que animal, pela manhã, anda em quatro patas; ao meio-dia, anda em três patas e, ao fim do dia, movimenta-se em três patas?” Édipo respondeu e acertou, casando-se com Jocasta.
Isso é adivinhação e isso é decifrar um enigma. Decifrar, neste sentido, é traduzir, decodificar algo que estava cifrado.
Principalmente, em situação de banca de avaliação, mestrandos e doutorandos precisam ser muito claros em seus textos. Devem fazer “perguntas” para o seu texto, porque, depois que escrevemos os nossos textos, eles deixam de ser nossos e passam para “a posse” do leitor, que o interpreta à luz dos seus conhecimentos (inclusive pelos reis do achômetro). Em situação de banca, os avaliadores conhecem o assunto, já leram, pesquisaram, escreveram, mas isso não nos permite pensar que contamos com a condescendência deles. Eles não decifram o que queremos dizer. Eles querem ler o que queremos dizer, muito bem explicadinho.
Eu escrevi, no parágrafo anterior: “não decifram o que queremos dizer”. Creio que todos nós, em redes sociais, já nos deparamos com postagens que desafiam a nossa compreensão.
Em primeiro lugar, o esforço de uma ou duas ou três leituras deve ser feito. Hoje, contaram-me que houve uma postagem em que a pessoa oferecia serviços de massagem terapêutica e estética e a primeira pergunta foi: Faz massagem para dor nas costas? Com boa vontade, entende-se que a indagação tenha sido feita por alguém que desconhece o termo terapêutica. Há, porém, um card bastante exemplificativo da preguiça mental das pessoas: “Venderei bolo de cenoura à entrada da escola, a partir das 13h. Custo de R$ 5,00 por fatia.” De que é o bolo? Qual o valor? Qual o local de venda? A que horas?
Quando escrevemos e isso vale em qualquer situação, mas é muito marcante em redes sociais, um dos requisitos básicos quase nunca cumprido é a pontuação. O ponto de interrogação, por exemplo, que indica uma pergunta, uma dúvida, um questionamento, com muita frequência, é suprimido e o leitor deve deduzir que se trata de uma interrogação, sem que haja indicativos para isso. Como comunicar-se – com clareza mínima – nessas condições. É uma declaração? Use ponto final. É uma pausa? Use vírgula. É uma declaração festiva ou a manifestação de uma surpresa? Use uma exclamação. Não espere que o interlocutor/leitor adivinhe as suas intenções. Ninguém tem a obrigação de “decifrar” as ideias que fossem foi incapaz de expressar.
Com a polarização política, de 200 milhões de técnicos de futebol, transformamo-nos em 200 milhões de advogados constitucionalistas, depois, em 200 milhões de infectologistas/virologistas. A minha médica hematologista, em março de 2020, determinou que eu saísse de circulação diante da pandemia de coronavírus, evitasse – tanto quanto possível – o contato com pessoas fora de casa. Apareceram pessoas leigas para me dizerem que era besteira ou para me receitarem aquele medicamento dito “tratamento precoce” – diga-se de passagem, um remédio que me é proibido, porque tenho problemas de visão. Não só não sabemos escrever, como queremos opinar.
Qualquer “achômetro” perde em credibilidade quando não estiver escrito de forma minimamente compreensível, isto é, sem desvios de linguagem. Pode ser que os simpatizantes do assunto não se importem com “as derrapagens linguísticas”, mas os demais já terão dúvidas sobre aquela opinião em particular. Tanto isso é verdade que um dos quesitos que usamos para testar a credibilidade de um site de notícias é a qualidade do material escrito.
Nós somos, ainda, uma sociedade em que a escrita é fundamental e, como tal, dominar com algum conhecimento a língua escrita em que nos manifestamos é primordial. Quem quiser granjear respeitabilidade, precisa saber expressar o que pensa – com clareza.
0 Comentários:
Postar um comentário
Preencha o formulário e badabim badabom!